RIO - No prato de João Pedro de
Souza, só entra arroz branco, carne vermelha e frango. Ovo, só se for sem a
gema. Verduras e legumes, apenas em raras ocasiões. E, quanto a frutas, há
menos de quatro meses, ele experimentou pela primeira vez um pedaço de abacaxi
(e se apaixonou!). Não é exagero: o rapaz de 16 anos tem uma dieta restrita
desde a infância — não por conta de intolerância a alimentos, mas por hábito —,
e a pouca variedade de ingredientes sempre foi compensada pela grande
quantidade ingerida. Entre uma refeição e outra, ele chegava a beber, sozinho,
1 litro de refrigerante. Esse estilo de alimentação, não à toa, levou João
Pedro aos 140 kg quando ele tinha apenas 13 anos.
O cenário começou a mudar em
2014, quando ele se juntou a um grupo dos Vigilantes do Peso para tentar
diminuir o tamanho de seus pratos e limitar comidas gordurosas — há dois anos,
não come fritura, por exemplo. Isto o levou a emagrecer 32 kg, baixando seu
peso para 102kg, que, espalhados por 1,90 metro de altura, parecem até menos.
Hoje aos 16 anos, ele conta que o próximo passo é tentar aumentar a gama de
alimentos da dieta, mas admite: experimentar ingredientes, assim como resistir
a tentações, não é tarefa fácil.
— Comecei a ganhar peso extra aos
4 anos. Ficava com a minha avó para minha mãe trabalhar, e sabe como é avó, né?
Ela sempre queria que eu comesse mais — conta o estudante, aos risos.
Antes de perder todo aquele peso,
João Pedro era parte de um retrato revelado por um estudo que indica que 8,4%
dos brasileiros de 12 a 17 anos estão obesos. Classifica-se como obesa uma
pessoa com Índice de Massa Corporal (IMC) igual ou maior que 30 — o IMC é
calculado dividindo o peso pelo quadrado da altura. Somando-se à fatia de 17,1%
dos adolescentes que têm apenas sobrepeso (IMC de 25 a 29), conclui-se que o
país tem 25,5% de seus jovens nessa faixa etária pesando mais do que deveriam.
Para piorar, 9,6% deles sofrem de
hipertensão. O estudo afirma que quase um quinto dos adolescentes hipertensos
poderia não ter esse problema caso não fossem obesos.
Os dados são do Estudo de Riscos
Cardiovasculares em Adolescentes (Erica), o primeiro deste tipo realizado no
país, conduzido entre 2013 e 2014 por várias universidades e financiado pelo
Ministério da Saúde. Os pesquisadores avaliaram cerca de 85 mil adolescentes de
escolas públicas e privadas de 124 municípios do Brasil com mais de 100 mil
habitantes. Os primeiros resultados levaram a 13 artigos abordando uma série de
possíveis fatores de risco para o desenvolvimento de doenças do coração, como
obesidade, hipertensão, inatividade física, tabagismo e transtornos mentais.
Segundo o Erica, a obesidade
afeta mais o sexo masculino que o feminino. Os meninos também tendem a ser mais
hipertensos do que as meninas, e boa parte disso é consequência do excesso de
peso.
As taxas mais baixas de
hipertensão foram registradas nas regiões Norte e Nordeste (8,4% em cada uma);
e a mais alta, na região Sul (12,5%). O número de obesos acompanha essa
tendência: índices menores no Norte e no Nordeste, e maiores no Sul do país.
Outro estudo recente sobre a
saúde dos adolescentes, desta vez em nível mundial, publicado na revista médica
“Lancet”, mostra que as taxas de sobrepeso e obesidade nesses jovens crescem em
quase todos os países desde 1990. O artigo “O fardo global das doenças”, feito
por pesquisadores de universidades como Columbia, nos EUA, e Melbourne, na
Austrália, alerta que o excesso de peso durante a adolescência tende a se
estender pelo início da vida adulta, aumentando o risco de complicações como
diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares.
Uma das autoras do estudo Erica,
a professora Maria Cristina Kuschnir, do Núcleo de Estudos da Saúde do
Adolescente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), explica que
obesos e hipertensos que conseguem emagrecer ainda no período da adolescência
têm grandes chances de voltar a ter uma pressão arterial normal ao longo da
vida. Eles também tendem a deixar para trás o risco aumentado de desenvolver
doenças hepáticas, diabetes e outros problemas associados à obesidade. Por isso,
a adolescência seria a última “janela de oportunidade” para emagrecer e
recuperar a saúde.
— As crianças respondem melhor do
que os adolescentes, e estes, por sua vez, respondem muito melhor do que os
adultos. Então, a adolescência é ultima etapa em que podemos interferir com
alguma esperança de reverter a obesidade e suas consequências — afirma Maria
Cristina. — Sair da adolescência obeso é trágico para a vida futura, porque
pode trazer problemas renais, acidente vascular cerebral (AVC) e infarto.
Deslizes começam na infância
A pesquisadora destaca que muitas
famílias não identificam a obesidade como uma doença, o que faz com que se
demore a procurar ajuda.
— O adolescente é visto como
gordo, mas a família não vê isso como algo que precise de uma intervenção, um
tratamento. É naturalizado — lamenta ela, lembrando que, em geral, as raízes da
obesidade estão em deslizes cometidos desde o nascimento da criança. — Há erros
comuns como engrossar o leite de vaca com farinha e açúcar, o que acaba
desajustando a alimentação do bebê.
Katia Bloch, coordenadora do
estudo e professora de Epidemiologia do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que poucos pediatras
têm o costume de verificar a pressão e o nível de glicose e de colesterol de
adolescentes. Em geral, diz ela, não se espera que pessoas tão jovens tenham
problemas desse tipo. No entanto, a Organização Mundial de Saúde (OMS)
considera que toda criança acima de 3 anos de idade deve ter sua pressão aferida
anualmente.
— A saúde do adolescente é uma
especialidade que tem que ser vista com cuidado. Muitas vezes médicos usam
parâmetros de adultos para avaliar a saúde de adolescentes. Alguns têm
colesterol de 190 mg/dl, que seria normal para um adulto (o nível ideal é até
200 mg/dl), mas já é alto para quem tem entre 12 e 17 anos — exemplifica Katia.
Segundo o endocrinologista Amélio
Godoy Matos, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e
Metabologia, 70% das crianças que chegam obesas à adolescência se mantêm obesas
para o resto da vida.
— Quanto mais o tempo passa, mais
difícil é reverter esse quadro — pontua ele.
Matos explica que os meninos têm
mais risco de ter hipertensão porque têm mais tendência a engordar na barriga.
E o tamanho da cintura é mais importante que o índice de massa corporal (IMC)
para definir o risco de alta na pressão.
— Quem engorda mais no quadril ou
nos membros inferiores tem menos risco de hipertensão, porque essa gordura é
mais protetora. Meninas são assim — afirma o endocrinologista.
Em contrapartida, o Erica mostra
que as meninas são as que menos praticam atividade física. De acordo com a
pesquisa, 70,7% delas são sedentárias, enquanto o mesmo índice entre os meninos
é de 38%.
— Atividade física pode ter
impacto direto na obesidade e ainda auxiliar naS escolhas de hábitos mais
saudáveis — destaca um dos autores do estudo, Felipe Cureau, educador físico e
doutorando em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O Globo
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